GIUSEPPE NELLI, um escultor e arquitecto italiano, e a estatuária da fachada da Igreja do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça (1708-1714) [texto revisto]
Fig. 1: Igreja do Mosteiro de Alcobaça, Col. Rui Mendes (2008)
Agora que se vai avançar com o restauro da fachada da Igreja do
Mosteiro de Alcobaça, é o momento oportuno para voltar a falar da fachada
barroca da mesma Igreja, da questão da sua autoria – arquitectónica, técnica e
artística – e da sua importância no contexto histórico e artístico da Arte
Barroca no Mosteiro de Alcobaça, como oportunamente fizemos em recente
comunicação em parceria com Miguel Portela [1].
O BARROCO NO
MOSTEIRO DE ALCOBAÇA: ESTADO DA QUESTÃO
Mesmo sem procurar fazer um estudo crítico exaustivo da História da
Arte Barroca e da sua expressão na Ordem de Cister em Portugal e em particular
no Mosteiro de Alcobaça (Fig. 1), importa fazer alguns considerandos críticos
sobre a mesma.
A primeira grande constatação acerca da presença da Arte Barroca em
Alcobaça é precisamente marcada por uma «não-presença», ou seja uma ausência
substancial, sobretudo de peças, mas também de decoração, tão ou mais
significativa quando comparada com outros espaços conventuais nacionais, mesmo
dentro do âmbito cisterciense. Tal fica a dever-se a um conjunto de
vicissitudes de vária ordem, como o Terramoto de 1755, as Invasões Francesas, o
abandono do Mosteiro (1833), a reconversão dos espaços e o posterior restauro
«integralista» da igreja feito nas décadas de 1930 e 40 pela Direção dos
Monumentos Nacionais, os quais contribuíram, cada um à sua medida, para um
conjunto reduzido de peças e decoração em estilo Barroco no Mosteiro, sobretudo
no espaço da igreja e áreas anexas.
No presente, depois da referida intervenção nos anos trinta e quarenta
do século XX, que retirou do corpo da igreja, da capela-mor e do respetivo
deambulatório a maioria da sua estatuária e talha barroca, incluindo um
magnífico sacrário em forma de orbe com resplendor de que, além algumas
fotografias a preto e branco, se conhece apenas pela descrição dele feita por
alguns cronistas e viajantes; a Arte Barroca existente e visível no Mosteiro de
Alcobaça reduz-se praticamente aos núcleos de estatuária em terracota
existentes no Santuário das Relíquias, na Sala dos Reis (nova), na Sala do
Capítulo (originalmente na Capela-mor) e nas Capelas do Redentor e do Trânsito
de São Bernardo.
Alguns espaços barrocos como a nova sacristia ou a magnífica Capela de Nossa Senhora do Desterro (a que nos dedicamos no estudo onde publicámos originalmente este texto) são ainda praticamente desconhecidos dos visitantes por estarem a maior parte das vezes inacessíveis.
Como bem recorda Pedro Penteado, é a valorização económica do
Mosteiro que permitirá desenvolver quer a sua atividade
cultural no século XVII, - incluindo a continuação da publicação dos
vários volumes da Monarchia Lusitana,
de que foram autores, entre outros, três dos seus abades trienais, Fr. Bernardo
de Brito, Fr. António Brandão e Fr. Manuel dos Santos, que também foram
cronistas-mores do Reino ou da sua Congregação [2] - ;
quer as várias iniciativas de valorização do espaço religioso da Abadia, como a
feitura de um novo sacrário e instituição do “Laus perennis” no mosteiro, em 1672, além de outras intervenções
[3], assim descritas: “Um conjunto
significativo de obras, símbolo do vigor e da renovação que se operava no
Mosteiro de Alcobaça, e onde se procurou implementar um programa iconográfico
apologético e justificativo da sua importante posição senhorial (…) «estas obras desenrolaram-se na hospedaria,
na noviciaria, na Sala das Conclusões, que abrigou as estátuas dos reis
portugueses até 1765-1769 e onde se reunia o capítulo geral dos monges
bernardos portugueses, na livraria (1654), na enfermaria dos criados, no
claustro de D. Afonso VI (1656-67), na portaria (1684-87), e na Capela do
Desterro, construída no final de Seiscentos. Trata-se de um conjunto de
intervenções que Rafael Moreira considerou terem operado "uma mudança na
escala e na concepção espacial" da abadia e que serviram de "palco ao
florescimento da estatuária e à plena eclosão do Barroco" alcobacense.
Destacam-se, neste contexto, o relicário mandado erguer por Frei Constantino de
Sampaio na nova sacristia, o retábulo da Morte de São Bernardo e o conjunto
escultórico da capela-mor, terminado em 1678, no abaciato de Frei Sebastião de
Sotomaior, obra atribuída aos chamados «barristas de Alcobaça”. [4]
Desta introdução do gosto Barroco em Alcobaça destacam-se, numa
primeira fase de 1670 e 1690, sobretudo as obras da escultura e talha ligadas: à Capela Relicário (1669-72); às estátuas régias de barro do Claustro dos Reis
(1675), e reforma da Capela-mor em que o retábulo quinhentista com “painéis de santos da ordem que antigamente vestiam a parede interior” foi substituído por “fábrica mais moderna, feita
em 1676 de pedraria e oitavada” com
figuras de grandes dimensões de diversos santos [4]; e ao novo Sacrário (1678); à obra da Capela do Redentor (1675-78); e à magnífica Capela do “Grupo Morte de
S. Bernardo” (1687-90), que só ficará terminada no triénio de Fr. Pedro de
Lencastre (1702-05).
A segunda fase começou na década de 1690 e é marcada pela progressiva
introdução da arte barroca também na arquitetura claustral, podendo ser o
primeiro exemplo disso a magnífica Capela de Nossa Senhora do Desterro!
Já o frontispício
da igreja de Alcobaça (Fig. 1), obra do primeiro quartel do século XVIII, é
também um dos testemunhos do Barroco, este bem mais difícil de interpretar,
sobretudo porque nele não se adoptou um estilo arquitectónico singular, como
aconteceu por exemplo nas igrejas dos mosteiros cistercienses intervencionadas
na mesma época (Salzedas, Seiça e Bouro), mas procurou antes integrar na nova fachada
barroca os elementos góticos, como o portal de 7 arquivoltas quebradas e a
rosácea.
Fig. 2: São Bernardo, fachada da Igreja de Alcobaça, C0l. Jornal Alcoa
Esta fachada, dividida em 3 registos e 3 panos delimitados por pilastras com capitéis compósitos, é assim uma solução mista em que os elementos góticos são enquadrados por nichos e estatuária barroca (Fig. 2), só adoptando uma plena linguagem barroca no 3.º registo, com um frontão aberto de volutas entre as torres sineiras abertas por arcos plenos e delimitadas por pilastras com os mencionados capitéis compósitos. A estatuária da fachada, de produção italiana, carece ainda de um estudo artístico e crítico semelhante aos que se têm feito sobre restante estatuária barroca existente no Mosteiro, estudo que nos permita compreender como é que esta se enquadra e relaciona, ou não, com a melhor produção da época e qual o calibre do artista, ou artistas, que a realizaram.
Se quanto à oficina ou oficinas que lavraram a cantaria e construíram
a fachada, a documentação permite-nos saber data e autor, através da presença
do mestre canteiro Gonçalo Afonso, o
mestre de alvenaria Rafael da Fonseca, o
mestre das obras do Mosteiro António
Rodrigues de Carvalho, e de outros mestres, objecto de recente comunicação de Miguel Portela, e até a estatuária da
fachada em “jaspe fino vindo de Itália”
tem também autor, José Nelli, que recentemente divulgamos em artigo dedicado à
escultura religiosa, em Lisboa, já quanto ao desenho da fachada permanece a
dúvida. [6]
Muitas das campanhas de obras barrocas do Mosteiro de Alcobaça e em
algumas casas da Ordem foram favorecidas pelo empenho da Casa Real, tal foi o
caso das obras do claustro de D. Afonso VI (1656-67) e do Dormitório da
Enfermaria (1669-72) [7], todas atribuídas ao arquiteto régio, o beneditino Fr. João Turriano (f. 1679), a quem
também se têm atribuído a fachada da igreja, um claro erro cronológico e
artístico, pois nem este mestre tinha uma linguagem decorativa tão elaborada,
nem tão pouco era vivo quando a fachada foi iniciada, havendo já falecido há
cerca de 20 anos.
Outros arquitetos que podem também ter estado envolvidos nas obras de
Alcobaça neste período foram os arquitetos régios João Nunes Tinoco e João
Antunes, ainda que nada transpareça, até à presente data, nas fontes
conhecidas.
Da documentação consultada, o único arquiteto que se sabe ter
trabalhado no início do século XVIII nas obras da Ordem de Cister em Portugal foi o arquiteto maltês Carlos Gimac [8], aqui presente desde 1695, com obra documentada em Arouca, Salzedas e Lorvão (1704),
sendo por isso de admitir o seu possível envolvimento no projeto inicial, quer
do frontispício da Igreja do Mosteiro iniciada por D. Pedro de Lencastre
(1702), quer da reforma da Capela de Nossa Senhora do Desterro no tempo da
administração e padroado de Fr. João Paim (1698-1704).
Curiosamente este Carlos Gimac acompanhou o Marquês de Fontes,
sobrinho do próprio D. Pedro de Lencastre, a Roma em 1712, onde trabalhou para
D. João V, fazendo riscos dos coches reais da “Magnífica Embaixada do marquês de Fontes” realizada em 8 de julho
de 1716, que hoje se podem admirar no Museu dos Coches. [9]
GIUSEPPE NELLI: DADOS DA SUA INTERVENÇÃO EM
ALCOBAÇA
Como referido no texto acima mencionado, a estatuária da fachada da Igreja do Mosteiro de Alcobaça, em “jaspe fino vindo de Itália”, tem um
autor, José ou Giuseppe Nelli [6].
A informação da sua proveniência de Itália não é propriamente inédita,
tendo sido já publicada em 2012 (vide Anexo
1) e noutros textos.
Contudo, conforme referimos em 2017, apesar de ser um dos monumentos
portugueses mais estudados, a documentação alcobacense carecia ainda de um
estudo aprofundado, nomeadamente, quanto às campanhas de obras ali realizadas
no século XVIII e primeiras décadas do século XIX, algo que tem sido colmatado
nos últimos anos por uma revalorização do fundo documental alcobacense, não só
o monástico, como também os fundos paroquiais e notariais.
Referimos então, a título de exemplo, o pouco que ainda se conhecia da
reforma do frontispício encetada nas primeiras décadas do século XVIII, para a
qual trabalhou um desconhecido mestre escultor italiano de nome Giuseppe Nelli, referido nas folhas de
despesa, quer do triénio de 1708-11 (do abade Fr. António de Quental) no
lançamento do “que se deu ao Italiano que
mandou vir as imagens de jaspe para o fronte espício com o dezembarque dellas e
condução q fez até Villa Nova (…) 1:116$880” [10], quer no triénio seguinte
de 1711-14 (do abade Fr. Félix de Azevedo), no que “Despendeuçe em todos os três annos com (…) obra do Frontespício com
pedreiro e serventes (…) 2:472$370”, “à
conta das imagens que vieram para o Fronte espício a Joseph Nelli italiano
(…) 200$000 rs” e na “condução da Imagem
de N. P. São Bernardo que veio de Vila Nova (…) 46$900 rs” [11].
Estes dados vieram ao meu conhecimento quando, em 2014, ainda
frequentando o curso de História da Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa (FLUL), procurei novas fontes para desvendar o mistério de várias
intervenções barrocas no Mosteiro de Alcobaça no século XVIII, em particular a
reforma da fachada da igreja e uma possível ligação da mesma à figura, ainda pouco conhecida na história da Arte em Portugal, do arquitecto Carlos Gimac, de que oportunamente dei conta em
breve estudo produzido para a disciplina de Teoria da História da Arte
(2013-2014) regida pelo Prof. Vítor Serrão.
Fig. 3: Mausoléu de Mons. Giuliano Viviani, no Campo Santo [Cemitério] de Pisa, obra de Giuseppe Nelli, segundo desenho de Giovanni Battista Foggini, mandado edificar pelo sobrinho Cosimo Viviani (1697). https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Monumento_a_giuliano_viviani_antonucci.JPG
Ao encontrar pela primeira vez esta figura desconhecida na historiografia alcobacense disponível à época - do escultor italiano Giuseppe Nelli -, procurei obter mais elementos acerca do mesmo (*). De facto, consultando alguns dados dispersos, pude apurar que Nelli era um escultor praticamente desconhecido, ao que parece natural da própria Carrara, célebre centro de produção marmórea de Itália, activo no fim do século XVII, tendo como única obra conhecida nas fontes mais antigas, o Mausoléu de Giuliano Viviani no Campo Santo [Cemitério] de Pisa (1697) (Figs. 3 e 4), uma obra «de arquitetura e escultura executada no modelo de Gio Battista Foggini» por Giuseppe Nelli aluno do conhecido arquitecto e escultor o Cavaleiro Bernini, conforme constava em Alessandro da Morrona – Pisa Illustrata Nelle Arti Del Disegno, Tomo 2 (Prima Ed., Francesco Pieraccini, 1787), Seconda Ed., Livorno : Presso Giovanni Marenigh, 1812, pág. 320: «Il Cenotafio di due colonne di verde antico e da bei marmi di Carrara adorno contiene le ceneri di Giuliano Viviani pisano che fù Decano di questa Basilica e Professore di sacri Canoni nel Patrio Liceo che di poi fù Vescovo della Città dell’lsola e che finalmente fù condecorato dell Arcivescovado di Cosenza. Il lavoro sì di Architettura che di Scultura nel Simulacro giacente fù eseguito sul modello di Gio Battista Foggini da Giuseppe Nelli allievo del Bernino Scultore, e Architetto assai noto. L'iscrizione è la seguente:
D. O. M. . Juliano Vivianio Antonii Filio doctissimo Juris utriusque
Professori, qui Pisanum Gymnasium doctrinae praestantia, Patriam, et genus
nominis , claritate jus Pontificium immortalibus ingenii monumentis illustravit,
qui amplissimos in Patria honores adeptus ampliores meritus ad exteros quoque
lumen gloriae suae diffudit, et Urbano VIII. Pont. Max. ob integritatem vitae,
morumque candorem acceptissimus Insulae Urbis Antistes, et Comes, ac deinde
Cosentinus Archiepiscopus creatus est, majora consecuturus, nisi morte fuisset
in medio honorum cursu interceptus. Hanc Corporis Imaginem, cum animi extet in
ejus libris, et memoria posterum Cosimus Vivianus Fratris Filius posuit. An.
Sal. M.DCIIIC.» (1697).
Outra fonte mais antiga, que repete os mesmos dados, embora de de
forma mais sucinta, é Giovacchino Cambiagi – Il Forestiero Erudito o Sieno
Compendiose Notizie Spettanti alla Cittá di Pisa (…), Pisa : Pompeo Polloni e
figli, 1773: «[pag. 81] (…) Il deposito
dell'arcivescovo Giuliano Viviani pisano è di Giuseppe Nelli allievo del Cav.
Bernino sul modello di Gio. Batista Foggini».
Sendo que estas duas se baseiam, muito provavelmente, noutra fonte
ainda mais antiga, Pandolfo Titi – Guida per il Passeggiere Dilettante di Pittura,
Scultura, ed Architettura Nella Città di Pisa, Lucca : Filippo Maria Benedini,
1751: «[pag. 66] CAMPO SANTO. Forse non
sarà venuto mai in pensiero a popolo alcuno nell' Italia, né in tutta l’Europa,
di fare una così sontuosa e magnifica fabbrica per riporre e conservare le
rispettabili ossa de’ fedeli cristiani., come ebbero nell'idea di fare quei
popoli di questa antichissima città di Pisa nell'anno 1278 di nostra salute,
nel qual tempo dettero principio a quella bellissima fabbrica, stata fatta per
tale effetto tutta adornata di finissimi marmi, quale considerandola nella sua
magnificenza, e grandezza, facilmente si verrà in cognizione della grandissima
spesa fatta per perfezionarla. Il disegno, che come si vede fatto sul gusto di
quei tempi alla (…) [pag. 77] (…) Il deposito dell’arcivescovo Giuliano Viviani
pisano, fu fatto nelle scuole di Carrara
da Giuseppe Nelli scolare del cavalier Bernini, sul modello che ne fece Giovan
Battista Foggini».
De estudos e fontes mais recentes se descobre que Nelli passou pela
Academia de S. Lucas de Roma, vencendo um prémio na terceira classe de escultura em 1682, conforme
nos revela Francesco Freddolini, "Effigi L’Insigne e singolare Virtù.
Monumenti funebri dei professori dello Studio tra Sei e Settecento", in Sculptura a Pisa nell’età moderna: Le
sepolture dei docenti dello Studio, dir. Cinzia Maria Sicca, PLUS-Pisa
University Press, 2007: «[pag. 99] Il carrarese, del quale non si conoscono
opere, fu piu probabilmente
allievo dello stesso Foggini. Il giovanissimo Nelli vinse infatti il primo
premio della Terza classe di scultura al concorso dell’Accademia di San Luca
nel 1682, anno in cui lo studio di Foggini, e i Toscani in generale, quasi
colonizzarono l’istituzione romana: nella Prima classe di scultura Giuseppe
Piamontini e Anton Francesco Andreozzi si aggiudicarono il primo premio ex
aequo, mentre per la pittura i vincitori furono i fratelli Giuseppe Nicola e
Tommaso Nasini, rispettivamente nella Prima e Seconda classe» (cit.
Cipriani, Angelo – Valeriani, E. (a cura di), I disegni di figura nell’Archivio Storico dell’Accademia di San Luca,
3 Vol., Roma, 1988, I, pp. 99-100). Vide Anexo
2.
Fig. 4: Mausoléu de Mons. Giuliano Viviani (1697).
No âmbito da história da Arte em Itália, o nome de Nelli é assim, aparentemente, uma figura desconhecida, sendo mais conhecido um homónimo no século XIX, Giuseppe Nelli (1826-1873), ourives da prata e “scultore in metallo” romano.
Contudo, perante uma evidente falta de elementos complementares, não foi possível, até à data, completar o quadro histórico e artístico da encomenda da estatuária para a nova fachada da igreja do Mosteiro de Alcobaça, começada nos triénios de 1708-11 e 1711-14, e concluída em 1725 (*).
Seja de que modo for, o que estes documentos confirmam é não só a já conhecida origem italiana das esculturas da fachada de Alcobaça, mas também um nome, Giuseppe ou José Nelli, que foi pago por algumas delas, seja ele ou não o seu autor, sendo por isso ainda mais oportuna a sua revalorização e estudo, no âmbito dos restauros agora empreendidos, e de que se aguardam conclusões (*).
Rui Manuel Mesquita Mendes
ALMADA, 15 de Março de 2021.
(*) Texto revisto em 18 de Abril de 2021.
Notas:
[1] MENDES, Rui Manuel Mesquita; et PORTELA, Miguel – “A Capela de
Nossa Senhora do Desterro (1690-1740): Uma pequena jóia da arte e arquitetura
barroca no Mosteiro de Alcobaça”, in Cister:
Actas do II Congresso Internacional sobre Mosteiros Cistercienses, Tomo 1:
Património e Arte, Coord. José Albuquerque Carreiras, António Valério
Maduro, e Rui Rasquilho. Alcobaça: Hora de Ler, 2019, pp. 157-200, p. 177-181.
[2] PENTEADO, Pedro – “Alcobaça", in Dicionário de História Religiosa de Portugal, dir. Carlos Moreira
Azevedo, Vol. I: A-C. Círculo de leitores, Rio de Mouro, 2000, p. 37. No século
XVIII, foram também cronistas-mores do Reino ou da Congregação, outros três
abades, Fr. Manuel da Rocha, Fr. Manuel de Figueiredo e Fr. Fortunato de São
Boaventura.
[3] Para algumas das principais obras deste período vejam-se, entre
outros, Fr. Manuel de Figueiredo, Descrição
da Igreja de Alcobaça em 1781, publicado em CORREIA, Vergílio – “O retábulo
da capela-mór de Alcobaça", in O
Instituto: jornal scientifico e litterario. Vol. 81 (1931), pp. 175-186.
Veja-se também Documentos de várias tipologias, de carácter histórico, canónico
e litúrgico, em prosa e verso, relativos sobretudo à Ordem de Cister em
Portugal / compilados por Frei Bento de São Bernardo – Manuscrito – 3.º vol.,
Contas das despesas com as obras feitas em Alcobaça entre 1618 a 1696, ALC.
301, fls. 280-283, http://purl.pt/30349; e BERNARDO, Alex Sousa – O palácio abacial de Alcobaça: um palácio
para um abade. Dissertação de Mestrado em História da Arte, apresentada à
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Edição do autor, Coimbra, 2009.
[4] PENTEADO, Pedro – “Alcobaça", in Dicionário de História Religiosa de Portugal,… Op. Cit., p. 36-37.
[5] Assim descritos em 1840, vd. O
Panorama. Jornal Litterario e Instructivo, publicado pela Sociedade Propagadora
dos Conhecimentos Úteis, Lisboa, Tomo IV, n.º 154, 11 de abril de 1840, pp.
113-116.
[6] MENDES, Rui Manuel Mesquita – “Novos contributos para a história
da escultura religiosa em Lisboa (séculos XVI, XVII e XVIII)”, in Invenire: Revista de Bens Culturais da
Igreja, N.º 14, 2017, pp. 6-22, p. 15, nota 32.
[7] COSTA, Padre António Carvalho da – Corografia Portugueza, e Descripçam Topografica do Famoso Reyno de
Portugal, … Op. Cit., pp. 124-126; MARQUES, Maria Zulmira Albuquerque
Furtado – Cronologia do Real Mosteiro de
Alcobaça, [s./l.], Óbidos, 2014, p. 89.
[8] Veja-se sobre Carlos Gimac a obra CARVALHO, Armindo Augusto Ayres
de – D. João V e a Arte no seu tempo,
Edição do autor, Mafra, 1962, Vol. II, pp. 241-304.
[9] MENDES, Rui Manuel Mesquita – Carlos
Gimac e Manuel Rodrigues dos Santos: Dois arquitectos ao serviço de D. João V
na Roma do Settecento e a sua importância nos modelos italianos do Barroco
português, Lisboa, 28 de maio de 2014, disponível em <https://www.academia.edu/16304799/>,
pp. 6-7.
[10] ANTT, Mosteiro de Santa
Maria de Alcobaça, Liv. 81, fl. 9, nota de 29-4-1711, apud. MENDES, Rui
Manuel Mesquita – “Novos contributos para a história da escultura religiosa em
Lisboa (séculos XVI, XVII e XVIII)”, in Invenire:
Revista de Bens Culturais da Igreja, N.º 14, 2017, pp. 6-22, p. 15, nota
32, disponível em <https://www.academia.edu/36240337/>.
[11] Idem, Liv. 81, fls. 38 e 39, notas de 29-4-1714, apud. Idem,
Ibidem.
Anexo 1:
As diversas imagens que ornamentam esse mesmo frontispício, são em
mármore de Carrara e vieram de Itália – de barco até Lisboa, e, depois, de
barcaça até Vila Nova da Rainha, então porto fluvial no rio Tejo.
A imagem de S. Bernardo, à esquerda de quem olha para a fachada (onde
faz pendant à de S. Bento, do lado direito), foi colocada em 19 de Novembro de
1711, após uma viagem cuja parte final foi um tanto atribulada. É precisamente
o relato, cheio de pormenores interessantes, escrito por Fr. Alberto de São
José (c. 1650-1723), cartorário-mor do Mosteiro, de dois incidentes ocorridos
durante a última fase do transporte, que oferecemos aqui aos leitores.
«Sucessos que sucederam quando se foi buscar o Nosso Padre S. Bernardo
para o frontispício, que estava em Vila Nova. Ano de 1711.
Aos 3 dias do mês de outubro de 1711, indo desta Vila de Alcobaça um
carro ferrado de quatro rodas de grande peso, saindo o Irmão Fr. Alexandre do
Sacramento da Quinta do Archino, que é da Marquesa de Arronches, e a mais gente
que ia na companhia, em que ia também o mestre aparelhador Manuel Denis, desta
companhia se puseram quatro homens no carro, e, dando em uma sorroda, se tombou
o carro e caíram todos, e livraram somente três; porém um que [se] não pôde
livrar como os três com tanta pressa, que é um homem a que chamam Manuel
Marques, do Casal da Carreira, limite de Monte de Bois, termo desta Vila de
Alcobaça, ficou debaixo do carro e, pegando-lhe a roda, o arrastou um pedaço e,
ao depois, lhe passou a roda por cima pela cintura e costas e lhe rasgou a
véstia e casaca; e logo caiu para a banda.
E parecendo a todos os que iam na companhia que o homem perigava
mortalmente, acudiu logo o Irmão Fr. Alexandre a perguntar-lhe o que tinha.
Lhe respondeu o homem que o carro o arrastara e lhe passara por cima,
e lhe rasgara a véstia e casaca, e que não sentia nada; e com este trabalho e
perigo ficou livre, sem lesão alguma; e se levantou e tornou a pôr outra vez no
carro como dantes.»
Extraído de:
Fr. Alberto de S.
José, Índice do Cartório de Alcobaça,
cf. ANTT, Mosteiro de Santa Maria de
Alcobaça, Liv. 213, fls. 483-484. Leitura, transcrição, atualização
ortográfica e notas pelo Prof. Gérard Leroux, antigo Assistente da Faculdade de
Letras de Lisboa e responsável pelo Arquivo Histórico da Misericórdia de
Alcobaça. Pub.:
https://www.oalcoa.com/a-proposito-da-imagem-de-sao-bernardo-um-transporte-atribulado-e-milagroso-i/
(30-7-2012)
Anexo
2:
Francesco
Freddolini, "Effigi I’Insigne e singolare Virtù. Monumenti
funebri dei professori dello Studio tra Sei e Settecento", in Cinzia Maria Sicca – Sculptura a Pisa nell’età moderna: Le
sepolture dei docenti dello Studio, PLUS-Pisa University Press, 2007.
(p. 99)
Una simile organizzazione dei lavori dovette essere alia base anche di
un altro monumento commemorativo di un professore dello Studio pisano,
realizzato sotto la direzione di Giovanni Battista Foggini: quello di Giuliano Viviani, docente di Diritto
canonico e in seguito vescovo di Isola e poi arcivescovo di Cosenza.
Il monumento fu eretto in Camposanto nel 1697 dal nipote Cosimo ma - ancora una volta - nessuna fonte
documentaria e emersa finora per ricostruire le circostanze e i personaggi
coinvolti nella comissione. Le uniche notizie note si devono ad Alessandro Da
Morrona, il quale scrisse che "Il lavoro si di architettura che di
scultura nel simulacro giacente fu eseguito sui modello di Gio. Battista
Foggini da Giuseppe Nelli, allievo del Bernino scultore e architetto assai
noto” (Da Morrona, 1812, III, p. 111).
Da Morrona, che si era già rivelato impreciso nella trascrizione
dell’epitaffio sul sepolcro del vescovo nella chiesa di Santa Caterina (Ciardi,
1996b : p. 145, n. 17), potrebbe aver commesso un altro lapsus. Il carrarese,
del quale non si conoscono opere, fu piu probabilmente allievo dello stesso
Foggini. Il giovanissimo Nelli vinse infatti il primo premio della Terza classe
di scultura al concorso dell’Accademia di San Luca nel 1682, anno in cui lo
studio di Foggini, e i Toscani in generale, quasi colonizzarono l’istituzione
romana: nella Prima classe di scultura Giuseppe Piamontini e Anton Francesco
Andreozzi si aggiudicarono il primo premio ex aequo, mentre per la pittura i
vincitori furono i fratelli Giuseppe Nicola e Tommaso Nasini, rispettivamente
nella Prima e Seconda classe (Cipriani – Valeriani, 1988, I, pp. 99-100). La
responsabilità di Giovanni Battista Foggini non dovette essere comunque
soltanto progettuale per un monumento che si discosta da tutti quelli
analizzati fino ad ora per tipologia e monumentalità. L’effigie del vescovo non
e infatti rappresentata da un busto, ma da una statua di dimensioni maggiori
del naturale. Questa differenza iconografica e tipologica è sicuramente da imputare
al rango del personaggio e alla carica ecclesiastica che rivesti.
Viviani, infatti, non è abbigliato con la toga dottorale, secondo la
canonica iconografia dei professori e - piu in generale dei letterati e degli
scienziati - ma veste i paramenti sacri. Il vescovo non è riconoscibile come
docente dello studio se non per l’epitaffio e per una sua opera poggiata sulie
ginocchia. Un fondamentale precedente per Giovanni Battista Foggini,
relativamente agli attributi iconografici e alla postura, fu costiuito dal
monumento di un celebre docente ed ecclesiastico del XVI secoio, Paolo Giovio
(tav. 73), realizzato da Francesco da Sangallo nel chiostro di San Lorenzo a
Firenze, che lo ritrasse assiso sulla cattedra vescovile, con i paramenti
ecclesiastici connessi al suo titolo di vescovo di Nocera e un libro in mano,
attributo della sua professione di professore di Filosofia e Medicina a Padova.
Giuseppe Nelli dovette avere un ruolo marginale nella realizzazione
del raffinato monumento pisano, forse da individuare nella realizzazione degli
elementi architettonici e decorativi, in parte perduti, e nell’esccuzione di
alcuni brani piu incerti dell’ampio panneggio, come ad esempio sul lato
sinistra all’altezza delle ginocchia.
Nella statua, infatti, che appare essere una variante di (p. 100)
quella del Cardinal Leopoldo
(Firenze, Uffizi), anch’essa scolpita da Foggini nel 1697, l’Intervento del
Maestro fu indubbiamente sostanziale: lo denunciano la qualità dell’Intaglio
dei motivi decorativi della mitria e del piviale, oltre alla complicata
postura, e alia raffinatezza net delineare i traiti del volto, perfettamente
paragonabili a quelli del Sant’Andrea Corsini in estasi sull’altare della
Cappella Corsini in Santa Maria del Carmine a Firenze.