domingo, 23 de dezembro de 2012

Vistas desconhecidas de Lisboa, Almada e Sintra, de Napoleon Orda, no Museu Nacional de Cracóvia


Foram vários os visitantes estrangeiros que nos séculos XVIII e XIX visitaram Portugal, e em especial Lisboa e arredores, deixando as suas impressões sob a forma de crónicas, cartas, livros e mesmo de pinturas, e que constituem ainda hoje um interessante conjunto de documentos para o estudo da época.

Neste particular encontrámos recentemente um artigo publicado no ano de 1979 pelo Dr. Adão C. Zielinski – «Vistas desconhecidas de Portugal num Museu Polaco» (in Olisipo, 1.ª Série, n.ºs 139/140, A. 39/40, Lisboa : Grupo «Amigos de Lisboa», [1979], pp. 90-98) com um conjunto de sete gravuras (aguarelas) de pequena dimensão (15,6 cm x 22,1 cm), onde se podem encontrar impressões paisagísticas de Almada (que nos parece contudo pouco precisa), Lisboa e Sintra.

As mesmas gravuras foram 13 anos mais tarde aproveitadas para a exposição – Imagem da Polónia, Lisboa : Biblioteca Nacional (Portugal), 1992, coordenada por Maria Danilewicz e Lúcia Liba.

Tratam-se de obras do pintor polaco Napoleon Orda (1807 † 1883) (ver imagem), que visitou Portugal em 1842.


Pintor polaco Napoleon Orda (1807 † 1883)



Napoleon Mateusz Tadeusz Orda nasceu em 1807 numa família de lavradores fidalgos de origem polaca, em território do Império Russo na região de Pinsk, actual Bielorrússia. Em 1831, aquando da insurreição dos polacos contra a Rússia, que ocupava a maior parte da Polónia, partilhada desde 1795 pelas três potências vizinhas (Rússia, Prússia e Império Austro-Húngaro), alistou-se no exército livre polaco, combatendo no 4.º regimento de infantaria até ao fim da insurreição em 1832.

Pouco depois, para evitar a perseguição dos russos decide abandonar o seu país fixando residência em Paris em 1833. Aqui chega a estudar música com o seu compatriota polaco Frederic Chopin, também ele exilado em Paris, mas rapidamente opta pela pintura, tendo por principal mestre Pierre Girard. A partir de Paris fez diversas viagens a Espanha, Portugal, Argélia, Alemanha, Holanda, Inglaterra, de onde trouxe numerosos desenhos, muitos deles no espólio do Museu Nacional de Cracóvia.

Regressou entretanto à sua terra natal em 1856, depois de decretada pela Rússia uma amnistia geral aos insurgentes de 1831. A partir de 1860 inicia a grande obra da sua vida, uma colecção de desenhos dos monumentos arquitectónicos de todo o território histórico da Polónia.

Do seu trabalho, uma grande parte está, como já se disse, em Cracóvia, contudo existem também outras gravuras em diversos museus e colecções particulares.

Faleceu em Cracóvia em 1883, sendo as suas obras integradas no espólio doado ao Museu Nacional de Cracóvia pela família do pintor, no ano de 1886.

A obra de Orda manteve-se relativamente desconhecida do grande público até à publicação de um catálogo da mesma, no ano de 1975.

As sete gravuras feitas por Orda em Portugal haviam já sido publicadas em reproduções a preto e branco, nas obras inicialmente citadas, contudo as reproduções que publicamos em anexo fazem parte do catálogo online do Museu Nacional de Cracóvia.



RUI M. MENDES

Caparica, 23 de Dezembro de 2012



Fontes:
Dr. Adão C. Zielinski – «Vistas desconhecidas de Portugal num Museu Polaco», in Olisipo, 1.ª Série, n.ºs 139/140, A. 39/40, Lisboa : Grupo «Amigos de Lisboa», [1979], pp. 90-98.

Maria Danilewicz; Lúcia Liba Mucznik [coord.] – Imagem da Polónia: [catálogo da exposição], Lisboa : Biblioteca Nacional (Portugal), 1992, p. 48



Anexos:

Almada: vista geral, 1842, de Napoleon Orda (Aquarela em suporte de papel 15,6 cm x 22,1 cm)

Museu Nacional de Cracóvia, Polónia, ref. MNK III-ra-4963

Pasta a partir de uma viagem para aos Pirenéus, Espanha e Portugal, n.º 13





Sintra, 1842, de Napoleon Orda (Aquarela em suporte de papel 15,6 cm x 22,1 cm)

Museu Nacional de Cracóvia, Polónia, ref. MNK III-ra-4964

Pasta a partir de uma viagem para aos Pirenéus, Espanha e Portugal, n.º 14




Lisboa, 1842, de Napoleon Orda (Aquarela em suporte de papel 15,6 cm x 22,1 cm)

Museu Nacional de Cracóvia, Polónia, ref. MNK III-ra-4973

Pasta a partir de uma viagem para aos Pirenéus, Espanha e Portugal, n.º 22




Sintra: Capuchos, 1842, de Napoleon Orda (Aquarela em suporte de papel 15,6 cm x 22,1 cm)

Museu Nacional de Cracóvia, Polónia, ref. MNK III-ra-4970

Pasta a partir de uma viagem para aos Pirenéus, Espanha e Portugal, n.º 19




Sintra: Convento dos Capuchos, 1842, de Napoleon Orda (Aquarela em suporte de papel 15,6 cm x 22,1 cm)

Museu Nacional de Cracóvia, Polónia, ref. MNK III-ra-4972

Pasta a partir de uma viagem para aos Pirenéus, Espanha e Portugal, n.º 21




Sintra: Cruzeiro de Pedra, 1842, de Napoleon Orda (Aquarela em suporte de papel 15,6 cm x 22,1 cm)

Museu Nacional de Cracóvia, Polónia, ref. MNK III-ra-4971

Pasta a partir de uma viagem para aos Pirenéus, Espanha e Portugal, n.º 20



Lisboa, 1842, de Napoleon Orda (Aquarela em suporte de papel 15,6 cm x 22,1 cm)

Museu Nacional de Cracóvia, Polónia, ref. MNK III-ra-4967

Pasta a partir de uma viagem para aos Pirenéus, Espanha e Portugal, n.º 17



quinta-feira, 13 de setembro de 2012

São Pedro da Cadeira (II): Origens e história da freguesia




Época Medieval

Estabelecida como freguesia possivelmente entre o século XV e XVI, o povoamento desta zona do concelho é contudo mais antigo, como se comprova não só pelos vestígios arqueológicos aqui encontrados, como também pela documentação histórica. Assim um dos mais antigos documentos a referirem-se aos lugares desta freguesia é precisamente a Carta do aforamento feito pelo Rei D. Afonso III, em 14 de janeiro de 1272, de várias courelas na Coutada de Rendide ou Randide («Randidi» no original), nome pelo qual era conhecida esta região então, a 16 foreiros, que se podem dizer serem os mais antigos povoadores conhecidos da região, a saber.
- Pedro Domingues, genro de Sansão
- Soeiro Orvalho
- Lourenço Martins, criado de Soeiro Carvalho
- Miguel João
- Afonso Pedro, filho de Pedro Martins, tabelião de Torres Vedras
- Pedro Martins, tabelião de Torres Vedras
- Vicencio Pedro dito Reganado
- Martinho de Armaz
- Francisco Vicente
- Gonçalo Gonçalves, genro de Pedro Afonso de Óbidos
- João Pedro, da Romeira
- Miguel Mendes, genro de Paio Alaleima
- João Paio, genro de D. Romeu
- João Soeiro, de Monte Ferreiro
- Estêvão Mendes
- Jordão de Rendide



(Vida no Campo na Época Medieval)


O aforamento destas courelas era dado aos referidos foreiros na condição de eles e seus sucessores as lavrarem bem e darem 1/3 dos frutos que estas dessem, de pão, vinho, linho, de óleo (azeite ?), legumes, alhos e cebolas, bem como 2 alqueires (pela medida de Torres Vedras) de farinha de trigo peneirada, um capão bom e uma dúzia de ovos (1).
Por esta altura já existem documentos de aforamentos de bens da Ordem de Malta aqui situados pois Frei Afonso Peres de Farinha, Prior do Hospital de S. João (entre 1260 e 1276), deu a foro uma vinha no lugar de Assentada e outra em Randide, e uma vinha e herdade em Randide (2).
Em 1295 também a Colegiada de S. Miguel de Torres Vedras aparece como proprietário em Randide na Carta de venda de uma herdade «onde chamão Várzea do Redondo» (3).
No séc. XIV voltamos a ter registos da coutada e casais de Rendide pois em 1385 D. João I deu em tença a Vasco Martins da Cunha, o Moço, vassalo de D. João I, que foi senhor de Penalva, Sinde e Azere, a sua Coutada de Rendide por Carta de 6 de Outubro (4).



(Registo da Carta de D. João I em 1385)

O mesmo D. João I fará mais a doação dos casais que tinham sido do marquês de Montemor a um tal de Gomes Soares, onde é referido o casal de «Rendide»

Este tipo de senhorio de terras era muito comum no concelho de Torres Vedras e em especial no litoral do concelho, conforme regista Madeira Torres (5):
«Na Freguesia de S Pedro da Cadeira logo nos seus confins do lado Norte há alguns terrenos pensionados à Igreja de S Μiguel da nossa Villa e cobra hum considerável foro da Quinta denominada d Arêa entre esses limites e a margem direita do Sisandro existem diversos casaes que formão hum importante prazo da casa do Barão de Tavarede (Cabral Quadros) de o qual demais de algumas propinas recebe o terço da produção (b) além disso há propriedades de que se paga o quarto á Commenda de Malta e algumas pensionadas á Capella de Travassos, de onde tirão o nome. Além da margem esquerda do Sisandro há casaes pensionados ao Mosteiro de Odivellas e outros de que se paga o terço em que levão metade as Ex.mas Casas do Duque de Lafões e de Noronha; finalmente as várzeas situadas entre os lugares de S Pedro da Cadeira e da Coitada, na maior e melhor parte posto que algumas damnificadas pelas áreas do rio, humas são pensionadas à Sereníssia Casa de Bragança, e taes são as da Pailepa (c) e outras à Sreníssima Casa do Infantado e tais são as compreendidas no seu Reguengo no dito Sítio (a).
(b) Este prazo foreiro ao Mosteiro d’Alcobaça que cobra do primeiro enfiteuta o foro annual de 14$222 rs compõe se de 9 casaes sendo o de Valverde que tem Ermida como a cabeça dos outros que são o do Grillo; dois d’Alfaiata; de Sequeira; de Val de Martello; da Casa branca; do Palmeiro; do Monte Guilhão só o primeiro paga renda ou quota certa e pitanças todos os outros pagão alêm dessas o terço.
(c) Os foreiros são 68 e á excepção de 14 d’esses que só pagão pensão certa todos os outros em cima d’alguma certa e pitança pagão o terço as pensões certas em trigo somão 239 alqueires em cevada 1414 em gallinhas 374 em frangos.
(a) He a cabeça do Almoxarifado e se denomina = Reguengo de Rendide = Nos limites do lugar da Coitada tem 98 propriedade dadas em emprasamentos perpetuos com a pensão do terço de toda a novidade e pitanças de gallinhas que são na totalidade 299. Comprehende diversos casaes e propriedades avulsas dentro do Termo».

Os senhorios além de casais tinham também aqui algumas propriedades mais extensas ou quintas que exploravam diretamente ou arrendavam como por ex.º a Quinta de Pero Lobo citada em 1501 (6), ou a Quinta de Valverde, dotada de Ermida, que como se viu era prazo do Mosteiro de Alcobaça.

Época Moderna

Sobre a origem da paróquia de S. Pedro da Cadeira não existem elementos concretos, contudo os editores de Madeira Torres referem que a Igreja é «muito antiga, e porventura já do séc. XIV ou XV, a julgarmos pela linguagem do compromisso da sua confraria, o qual se acha sem data no seu tombo, e como paroquia também não se sabe precisamente o seu começo. Mas pelo menos no tempo do dito tombo (?) já o era pois fala da casa de residência que tem o clérigo de S. Pedro; o mesmo se colige já da visita de 1506, onde se diz que havia capelão, que curava e dava os sacramentos, obrigando-o a que chamasse os padres de S. Miguel para os enterros e saimentos» (7).
Na mesma visitação de 1506 o Visitador da Igreja de S. Miguel de Torres Vedras regista «achey que a freguesia da dita egreja (de S. Miguel) que asy era curada per os ditos beneffeciados era grande em que tinham mill almas de curar e mais afora a capella de Randide que era curada per capella de fora», no ano seguinte de 1507 dizem as mesmas visitações que a capela de S. Pedro da Cadeira também necessitava de reparações, sendo que a obrigação de reparar o corpo da igreja pertencia aos beneficiados de S. Miguel e o telhado era da obrigação dos fregueses (8).
Esta Igreja ou Capela de S. Pedro tinha anexa, à semelhança de outras Capelas no termo de Torres Vedras, uma Albergaria ou Hospital para pobres.

Além da Confraria de S. Pedro havia também a de N.ª Sr.ª da Cátula (ou da Cátedra), com a sua Ermida, também referida num Tombo de 1507, e que pelos anos de 1536 organizava um bodo ou festa anual para angariação de receitas para a fábrica (vide Ermida de N.ª Sr.ª da Cátedra).

O território da freguesia de São Pedro da Cadeira pertenceu na época medieval à freguesia de São Miguel de Torres Vedras, de cuja igreja paroquial era filial e cujos Beneficiados apresentavam o Cura de S. Pedro da Cadeira.
Segundo consta do livro das visitas de S. Miguel de Torres Vedras, de 1530 até 1535 foi a igreja feita de novo, sendo a capela-mór por conta dos padres de S. Miguel, e o corpo da igreja do povo, o que confirma que era Capela antiga possivelmente fundada, como referido anteriormente no século XV ou antes (9).
O Título da Igreja ou Capela era a Cátedra de São Pedro em Antioquia, festa que a Igreja Católica comemora no dia 22 de Fevereiro.

No século XVI em 1527 (10) as principais povoações da freguesia de S. Pedro da Cadeira eram:
- A aldeia de Mougelas e Randide e casais ao redor, com 48 vizinhos;
- Aldeia da Coutada com os casais ao redor, 21;
- Aldeia do Zimbral e Areia e casais ao redor, 11, com as Açaqarias (Secarias) (atualmente na freguesia de Silveira);
- Aldeia d’Alfayata (Casalinhos de Alfaiata), 25 (atualmente na freguesia de Silveira).

A Paróquia foi inicialmente conhecida por São Pedro da Cadeira de Rendide (também grafada de Randide), por se situar no Reguengo ou Lugar de Rendide, como se regista na Visitação de 1683 em que se refere: «Sebastião Dias Camelo, prior da paróquia de S. Lourenço da vila de Santarém e visitador neste arcebispado do distrito de Torres Vedras faço saber que visitando esta igreja de S. Pedro da Cadeira no lugar de Rendide (...)».

Além dos lugares atuais da freguesia fizeram ainda parte do território de S. Pedro da Cadeira lugares da freguesia da Silveira onde existem ainda as antigas Ermidas de Santa Cruz, no lugar do mesmo nome e N. Senhora da Piedade no Casal ou Quinta de Valverde, propriedade do Mosteiro de Alcobaça, antigas filiais de S. Pedro da Cadeira.

Em 15 de Dezembro de 1675 os moradores dos lugares da Silveira, Secarias e Cerca, então freguesia de S. Pedro da Cadeira, fizeram uma escritura para construção da ermida original de N. Senhora do Amparo (11), a qual foi inaugurada em 1679 e que sofreu obras no século XVIII pois em 18 de Julho de 1726 se alcança licença para nela de novo se dizer missa (12).

Com o terramoto a paróquia de S. Pedro da Cadeira sofre vários danos, nomeadamente quanto aos templos e estruturas, assim a ponte do Rio Sizandro, que ligava o sul ao norte da freguesia, e para a gente passar tiveram de lhe colocar uns paus.
Esta ponte fora originalmente edificada em 1326 pelo Mosteiro de Alcobaça por ordem real conforme se regista em escritura de 30 de Junho desse ano (13).

Na Igreja de S. Pedro da Cadeira houve uma Irmandade do Santíssimo Sacramento, responsável pela manutenção do Sacrário, cujo Compromisso foi aprovado pelo Cardeal de Lisboa, D. Tomás de Almeida, em 2 de Junho de 1740 (14). Esta Irmandade terá sucedido á Confraria de S. Pedro da Cadeira.

Foi natural do lugar de Mouguellas, lugar hoje anexo ao de S. Pedro da Cadeira, o Padre António de Morais, um dos Irmãos Terceiros da Ordem da Penitencia estabelecida na Freguesia de S. Pedro da Cadeira, que aqui foi sepultado pouco depois dos anos de 1770. Admirado estudante, e Sacerdote, que professou parte da sua vida religiosa no Convento do Varatojo (15).

Em 28 de Setembro de 1926 os lugares a norte do rio Sizandro, com exceção do lugar da Coutada, separam-se de S. Pedro da Cadeira para formar a nova freguesia da Silveira, a qual foi também elevada a paróquia em 21 de Dezembro de 1928.


RUI M. MENDES
Caparica, 13 de Setembro de 2012



Notas:
(1) Leontina Ventura e António Resende de Oliveira – Chancelaria de D. Afonso III, Volume 2, # 501
(2) José Anastácio de Figueiredo Ribeiro – Nova História da Militar Ordem de Malta, Vol. II, pp. 211-212, 275
(3) TT, Colegiada de S. Miguel de Torres Vedras, Mç. 6, n.º 114
(4) Chancelaria de D. João I, liv. I.º, fól. 79v – cit, Anselmo Brancaamp – Brasões da Sala de Cintra.
(5) Madeira Torres – «Descripção histórica e economica da vila e termo de Torres Vedras», Memórias da Academia Real de Ciências de Lisboa, Vol. 11-12, pp. 279-280
(6) TT-CHR, D. Manuel I, liv. 37, fól. 61
(7) http://arqtvedras.home.sapo.pt/LetraS/S0109.htm
(8) Isaías da Rosa Pereira – «Visitações da Igreja de São Miguel de Torres Vedras (1462-1524)», Lusitania Sacra, 2.ª Série, N.º 7, 1995, pp. 181-252
(9) http://arqtvedras.home.sapo.pt/LetraS/S0109.htm
(10) Anselmo Branccamp [ed.], «A Povoação da Estremadura no XVI Século», Archivo Histórico Português, Vol. VI, Lisboa, 1908, pp. 254-255
(11) Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno, Tít.º Torres Vedras, pág. 689
(12) TT-CEL, Mç. 1809, N.º 352 e 344 - Inédito
(13) TT, Coleção Especial, Cx. 89, n.º 23 – cit. Pedro Azevedo, «Miscellanea archeológica», O Archeólogo Português, Vol. VII, N.º 7: Julhp de 1902, Lisboa : Imprensa Nacional, 1903, p. 180, 182-183:
«Sabhan todos que ena villa de Torres uedras ssoo Alpender de Martin ssymhões Aluazil conuen a suaber prestumeyro dia do junho era de Mil e trezentos e sase~eta e quatro anos en presença de mjn Domingos de carnyde publyco Tabelliõ del Rey ẽ na dita villa e das t(estemunha)s que adeante sson escritas ffrey Steuã procurador e celareyro do que a orden de Alcobaça a ẽ Torres uedras e ẽ seu termho disse e ffrontou ao dito Aluazil que El querya cõprir a carta del Rey que El dise que tijnha sarrada pera fazer as pontes asy e como ẽ ela era denyaado come quer que nõ ffose dereyto protestando que nõ ffosse ẽ seu preiuizo e que a querya ffazer en esta guyssa en rrandide ena testeyra per hu entesta Alcobaça conuen a ssaber ponte de lageas per tal guyssa que sen receo ffosen per ela e que durase uijnte e trynta e quarẽeta anos se mester ffose e se caese que a farya per esta guyssa como dito he das quaes cousas o dito ffrey Steuã pydiu a mjn Tabeliõ hu t(estemunh)o Eu deylho. ffeito no dito logo. Ts. Gonçalo moreyra Martin anes das couas Martin Anes Johã uycente procuradores Afonso martins (sic) Domjngos Morãao e outros. Eu dito Tabeliã a esto ffuy este testemujnho screuy e aqui meu signal pugy que tal + e».
(14) AHPL, Ms. 583, fól. 281 – Inédito
(15) Fr. Manuel de Maria Santísisma. Historia da fundaçaõ do Real Convento e Seminario de Varatojo, com a compendiosa noticia da vida do veneravel Padre Fr. Antonio das Chagas, e de alguns varoens illustres filhos do mesmo convento, e seminario ...", Tomo II, Porto : Ofician de António Álvares Ribeiro, 1800, págs. 627-628

TT : Torre do Tombo
AHPL : Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa
CEL : Câmara Eclesiástica de Lisboa
CHR : Chancelaria Régia

domingo, 5 de agosto de 2012

Só os homens e historiadores de esquerda têm mérito?


(José Hermano Saraiva discursa numa conferência na Academia das Ciências em outubro de 1981)

A propósito do maior ou menor consenso no voto de pesar da Assembleia da República pelo falecimento de José Hermano Saraiva (JHS), que no passado dia 25 de Julho de 2012 teve a oposição do Partido Comunista Português, dos Verdes e do Bloco de Esquerda, faço aqui uma reflexão sobre o modo como este e outros historiadores e homens da cultura têm sido considerados pela elite cultural e política portuguesa em especial a ligada aos partidos da Esquerda portuguesa.

Como homem político não poderia estar mais longe das opções e pensamento de JHS, que aliás fazem parte de uma certa visão de Salazar como um «ditador soft» que ainda hoje vai fazendo escola em Portugal e que tende a subvalorizar as perseguições e prisões políticas, o imobilismo económico do corporativismo e acima de tudo o flagelo da Guerra Colonial que deixou muitas marcas nos homens que por ela passaram!

Como comunicador e divulgador da cultura portuguesa JHS será lembrado por muitos e bons anos, como ainda hoje nos lembramos de dois nomes da Televisão há muito desaparecidos mas que ainda povoam a memória dos portugueses: Prof. Vitorino Nemésio e João Villaret (imagens abaixo).
 

Já como historiador e divulgador da História de Portugal digo, com toda a consciência, que dificilmente aparecerá no nosso país outro igual a JHS, por muito que isso custe a uma certa elite «leftie» que tende a ostracizar todos aqueles que não manifestam simpatia pelos ideais de esquerda, mesmo os que abandonaram a política activa há muito, e ainda mais os que, como o professor, nunca sofreram de amnésia política e tiveram sempre a coragem de não fazer de conta que nada tiveram a ver com o seu passado!

Nesse aspecto JHS, diga-se, não foi só atacado pela esquerda política e cultural, mas também por uma certa direita que jamais lhe perdoou a sua postura de «popularização» e «dessacralização» na divulgação da História de Portugal e das suas figuras!

O currículo académico e literário de JHS não o torna em «strictu sensu» o mais importante historiador português de sempre, nem o próprio assim se via como tal, mas acredito que podemos colocá-lo sem favor numa lista dos historiadores mais influentes, quer por terem feito a sua própria escola, quer por terem deixado importantes obras de referência, historiadores como:
- Os cronistas clássicos Diogo do Couto, João de Barros, Rui de Pina, Fernão Lopes, Garcia de Resende, Damião de Góis, Gomes Eanes de Zurara ou o Conde de Ericeira;
- Os historiadores contemporâneos Alexandre Herculano, Luz Soriano, Pinheiro Chagas, Oliveira Martins, Gama Barros, Oliveira Marques, Pedro de Azevedo, Fortunato de Almeida, Magalhães Godinho, Joel Serrão, Borges de Macedo, Veríssimo Serrão, Borges Coelho, Nuno Gonçalo Monteiro e António Reis.
- Os medievalistas João Pedro Ribeiro, José Mattoso, Saúl António Gomes, Virgínia Rau, Isaías da Rosa Pereira, Avelino de Jesus Costa, António Domingues de Sousa Costa, e Iria Gonçalves;
Ou ainda os muitos arqueólogos, historiadores da igreja, historiadores de arte, genealogistas, corografistas, historiadores sociais e políticos e historiadores locais e regionais que têm produzido trabalhos inovadores e de grande qualidade.

(Os historiadores Veríssimo Serrão, José Mattoso e António Reis, que colaboraram na História de Portugal das Edições Alfa, coordenada por José Hermano Saraiva)

Ninguém poderá, de boa fé, acusar JHS de «fraco historiador» ou «falso historiador», ou até, como tenho lido em vários locais, de apenas «um bom contador de histórias», primeiro porque não só foi alguém que verdadeiramente estudou as fontes, leu os clássicos e visitou os locais (e quantos não existem «pretensos historiadores» que procuram fazer análise histórica à custa das obras de terceiros, sem se quer se darem ao trabalho de investigar as fontes históricas e visitarem os locais em concreto), como também foi alguém que deixou um trabalho de mérito valorizado pela gerações presentes:
- Programas de TV como "Horizontes da Memória" (1971), que recebeu o Prémio da Imprensa para o Melhor Programa do Ano, "Gente de Paz" (1978), "O Tempo e a Alma", "Histórias que o Tempo Apagou" e "A Alma e a Gente";
- O Livro "História concisa de Portugal" (1978), com 25 edições e cerca de 180 mil exemplares vendidos. Traduzido em espanhol, italiano, alemão, búlgaro e chinês. Citado por diversos historiadores internacionais;
- A «História de Portugal» em seis volumes, publicada em 1981 pelas Edições Alfa;
- O Livro "Portugal. A Companion History" (1997) em inglês, uma das poucas obras, junto com a "History of Portugal" de Oliveira Marques, sobre a História de Portugal escrita por um historiador português para um público internacional e que tem sido a primeira abordagem para muitos estrangeiros à História de Portugal e com excelentes críticas.
- Cerca de 20 títulos históricos como "Uma carta do Infante D. Henrique", "O tempo e alma", "Portugal - Os últimos 100 anos", "Vida ignorada de Camões" ou "Ditos portugueses dignos de memória";
- Várias orações académicas apresentadas à Academia Portuguesa de História (APH), de que foram publicadas sete, a mais recente em 1988, intitulada "A crise geral e a Aljubarrota de Froyssar".


  

(Obras da autoria e coordenação de José Hermano Saraiva)

Em termos do seu legado como historiador destaco alguns aspectos que considero mais relevantes:
- A problemática da luta de classes e a preponderância dos «concelhos» na vida política portuguesa durante a Dinastia Afonsina e sobretudo nas crises de 1245-1248 e 1383-1385;
- A valorização do universalismo e importância do Infante D. Henrique, do Rei D. Manuel I e do poeta Luís de Camões, vistos como figuras maiores de um determinado período da história de Portugal, não apenas de uma forma laudatória mas também realista e humanista em que não se procura esconder os aspectos menos positivos da sua biografia;
- A importância da história local e das histórias locais na formação da história e património nacional;
- A importância da comunicação social no reconhecimento e valorização dessa mesma história e património nacional.

Não tendo produzido muitos trabalhos históricos versando especificamente a investigação do Portugal do século XX (excepção feita à sua História de Portugal e um ou outro trabalho de investigação), como aliás muitos outros historiadores do seu tempo, JHS manteve uma certa equidistância entre o seu pensamento político e a sua produção histórica, de modo que não se compreende como se pretende atacar JHS como um historiador com uma visão enviesada da história? Aliás várias vezes procurou desmistificar o modo como o Estado Novo procurou retratar certas figuras da história nacional! 

Mesmo sobre a natureza do Estado Novo, como refere Luís Reis Torgal no seu estudo «Estados novos, estado novo: ensaios de história política e cultura» (Vol. 2. p. 319-321), a «História de Portugal» dirigida por José Hermano Saraiva, «participada por historiadores de várias formações políticas mesmo de tipo marxista, no capítulo dedicado ao Estado Novo, da autoria do director da obra, não se surpreende nenhuma reflexão particularmente apologética do regime» e a não sugestão da ligação do salazarismo ao fascismo reflecte uma corrente de pensamento histórico também apresentada em outras obras do género como a «História de Portugal» de José Mattoso ou a «Nova História de Portugal» de Joel Serrão e Oliveira Marques nos volumes dedicados ao Estado Novo de Fernando Rosas, sem que no entanto não se deixe de referir a característica autoritária, corporativa e repressiva do Estado Novo. 
Diferente seria se JHS tivesse feito na sua produção histórica o elogio directo do Estado Novo, como fez por ex.º Joaquim Veríssimo Serrão nos últimos volumes da sua «História de Portugal» e mesmo assim ninguém no seu perfeito juízo poria em causa o inegável valor da obra científica de Serrão, autor de quase 300 trabalhos de investigação sobre temas da história portuguesa, grande parte deles centrados nos séculos XV a XVII, presidente da Academia de História durante cerca de 30 anos, detentor de vários doutoramentos e distinguido com o Prémio Príncipe das Astúrias em Ciências Sociais em 1995!

Refira-se que o mesmo Luís Reis Torgal (Vol. 2, p. 34) critica contudo JHS por nas suas Memórias ter feito referência menos abonatórias do Conselheiro Aristides de Sousa Mendes, sem contudo apresentar provas documentais, ora as «Memórias» podem até ter interesse histórico, mas não são textos históricos e não se regem pelos mesmo princípios, por isso parece-nos que esta crítica não faz muito sentido! 


Sobre o modo como JHS apresentava a história de Portugal nos seus programas televisivos, que alguns dizem demasiado romanceado, eu diria que considerando algumas obras literárias mais recentes do estilo «romance histórico», como por ex.º o «Memorial do Convento» (1982) ou a «História do Cerco de Lisboa» (1989), ambos de José Saramago, e ainda as obras de Luís Rosa, Domingos Amaral, José Jorge Letria, Miguel Real ou Pedro Almeida Vieira, entre outros, foi uma abordagem que acabou por fazer escola, uma escola que a historiografia brasileira e anglo-saxónica já conhecem há muito e que se devidamente enquadrada tem tanto valor na divulgação histórica como as teorias e interpretações que alguns dos nossos historiadores clássicos (p. ex.º Herculano e Oliveira Martins) produziram quando ainda não se conheciam em detalhe importantes fundos manuscritos (como por ex.º os arquivos do Vaticano) e que então por falta de melhores elementos levaram esses mesmos historiadores a fazer algumas interpretações particulares dos factos e figuras históricas.
Neste particular os historiadores de arte portuguesa sabem bem como a falta ou desconhecimento de fontes levou alguns dos grandes historiadores a enquadrar e postular autoria de peças de arte que mais tarde se vieram verificar incorrectas.

Sobre outros historiadores e homens da cultura portugueses também tem havido no passado uma tentativa de colar o seu mérito académico ou artístico às suas opiniões ou visões políticas, atitude que aliás manifesta uma verdadeira desonestidade mental, como se um escritor ou um historiador tivessem mais ou menos valor conforme se situem mais ou menos à esquerda, mais ou menos à direita. Os exemplos são diversos mas bastaria apenas um nome para que o leitor se aperceba do que estou a dizer: Saramago.

Cabe na cabeça de alguém que na Assembleia da República (AR) alguma das bancadas tivesse em 2010 votado contra um voto de pesar pela morte de José Saramago, no entanto todos sabemos que, independentemente do reconhecimento internacional que o Nobel lhe trouxe, a escrita de Saramago não agradava a todos e as suas opiniões políticas também não, quer por causa da sua visão de um «Comunismo conservador» muito pouco democrático ou ainda pelo seu ateísmo militante?
Não, de facto a AR votou por unanimidade a favor do referido voto de pesar pela morte de José Saramago em 23 de Junho de 2010, como também o havia feito em 16 de Junho de 2005 pela morte de Álvaro Cunhal, agora não foi este mesmo homem que durante décadas apoiou frontalmente diversos regimes totalitários e anti-democráticos como a URSS, Cuba, República Popular da China ou mesmo o regime genocida da Coreia do Norte?

  
(Álvaro Cunhal e José Saramago, dois grandes portugueses, homens de esquerda e da cultura  homenageados por unanimidade pela Assembleia da República a quando da sua morte em 2005 e 2010)


Por estas e outras razões é justo perguntar que tipo de mensagem é que os partidos de Esquerda quiseram passar quando votaram contra o Voto de pesar pelo desaparecimento de José Hermano Saraiva? Que apenas os homens de esquerda têm valor cultural!


É importante que de uma vez por todas a Esquerda portuguesa deixe cair o seu sectarismo cultural, que em nada a beneficia antes afasta do essencial que é convencer os portugueses que um verdadeiro partido de esquerda também pode ter um projecto político de governação em democracia!

Rui M. Mendes
Caparica, 4 de Agosto de 2012

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